15 de março de 2024

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Caos e borboletas

    Feridas lambidas, cicatrizes expostas, lama seca agora já transformada em pó, borboletas saindo novamente de seus casulos, muita água, muito querer, nenhuma flor. 
    Como caminhar quando existem diversos caminhos, mas nenhuma noção de direção? Como fingir não ter medo quando a realidade bate na porta anunciando que já não há o mesmo tempo e que as coisas não irão acontecer da mesma maneira? A menina continua, mas não possui nenhuma bússola e são poucos os dias em que é possível enxergar o céu. Durante a noite, sempre existe a possibilidade de uma grande enxurrada, ocasionada por motivos diferentes dos iniciais, que ninguém conhece porque ela prefere a ilusão e a viciante excitação do engano ao alinhamento de quereres. 
    De certa forma, é bastante provável que o caos tenha se tornado um amigo, à moda daquilo que espera-se de um amigo de longa data, que nos conhece só de olhar e que não precisamos nos alongar em explicações complexas para sermos entendidos, bastando um café e algumas músicas em um sábado qualquer para que todo o sentimento se exponha sem grandes esforços. 
    A menina aperta a mão do caos em sinal de cumprimento e o convida para entrar e conversar, misturando todos os sabores e sensações, sentindo com uma intensidade diferente e estranhamente maior e mais sufocante todas as vontades e todos os delírios, todos os medos, os pensamentos intrusivos, as paixões sem cabimento e as emoções sufocadas.
    A menina que, ironicamente, sempre preferiu um mundo claro, agora apega-se ao caos. Ele, como moeda de troca, afirma ser o seu amigo mais profundo e mais antigo, tentando convencer a menina a apostar na euforia do que é platônico, a acreditar que está tudo bem vincular com um grande emaranhado de linhas velhas o passado e o futuro e a apostar tudo o que se é na vantagem da loucura. Tratando-se de alguém louco, às vezes é preferível não possuir algumas experiências. É tarde, agora ela já voou muito perto do sol.
    Para a menina, sentir o caos é como sentir um tecido muito longo nos enrolando devagarinho, começando pelos pés. O tecido é áspero, quente e de um vermelho muito vivo, de onde não é possível se desvencilhar. Ele incomoda porque não conseguimos afastá-lo e, antes mesmo de qualquer possibilidade de defesa, estamos atados até o pescoço com várias voltas de um lençol escarlate. No fim, nossa fragilidade é a principal culpada. No fim, não nos conhecemos mais porque não conseguimos acompanhar nossos limites.

    Eu não sei quando começou. Não sei se foi o cheiro, a sensação de ser percebida, a procura, a identificação no mesmo nervosismo e no medo de ser sozinho no desconhecido ou simplesmente a própria montanha russa em que estamos, porque a vista lá do alto é sempre fascinante e o pânico da descida ainda me emociona e faz eu querer mais.


    Nada disso importa de verdade, é só caos. É a poeira nos olhos por causa do vento. Vai passar.

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