17 de setembro de 2023

,

E eu, oceano

Com as mãos trêmulas ela escreve uma carta que espera que no fundo ninguém possa ler. É tudo tão novo, tão abrupto e ensurdecedor. As lágrimas caem como se não tivessem importância alguma, o coração acelera a cada lembrança, a cada sinal de que nada disso deveria estar ali.

É irônico que tantos livros que contam a mesma história não sejam suficientes para fazê-la entender aonde isso vai chegar, afinal nenhuma história de amor é igual. Feliz é aquele que reconhece a beleza na luz do luar, no som dos pássaros voltando pro ninho no final do dia, na brisa quente de um entardecer que antecede a chuva mansa que vem chegando de um lugar mais longe ou até no cheiro de um livro novo acompanhado de um café na mesinha de cabeceira. Feliz é aquele que realmente se dá por satisfeito com essa visão. Feliz é aquele que se contenta em sua própria solidão, em sua própria busca pelo mais íntimo de si e pela arte de esculpir a si mesmo e, cada novo ano que nasce, consegue forjar uma versão melhor daquilo que se era antes. Feliz é aquele que suporta bem a ideia de estar só.

O que faria Colombina? Ela gritaria aos sete ventos tudo o que não suporta? Ela abandonaria todas as lembranças como se fossem pétalas de uma flor que envelheceu e secou e agora caem aos poucos no chão escuro e frio? Ela também sentiria no estômago essas mesmas borboletas novas que anseiam tanto pelo risco? As borboletas estão longe de morrer e isso incomoda porque parece não haver mais espaço pra mantê-las a salvo sem expô-las a luz do dia.

É possível inquirir que, apesar de tudo, apesar de toda essa urgência ininterrupta e dolorida, Colombina agradeceria a figura de seu Arlequim. Agradeceria sim, porque existe beleza em toda essa confusão. Existe um novo sopro de vida a cada chegada que antes parecia nem existir, em cada detalhe acinzentado daquele horizonte distante que ela anseia em desbravar. Ela agradeceria porque está de volta ao oceano que carrega em si e finalmente parece ameaçar sair do porto. No fundo, sempre foi o mar que lhe manteve desperta e motivada. Ela precisa da inquietação do mar para sorrir em paz.

Não vá embora! Tem mais textos aqui: